sexta-feira, 31 de maio de 2013

Capítulo 1

DEVANEIOS
Parte 1

- Corre, Bruno, corre!
   Uma voz estranhamente familiar e obsessiva gritava para ele. Suas pernas tremiam e quase não alcançavam os poucos metros que faltavam. Tudo o que ele queria era enxergar a dona daquela voz limpa e sedutora. Tão pouco lhe importava estar sendo perseguido por um ser obscuro.
   Nada parecia estar a seu favor neste sonho. O vento quente ardia sua garganta enquanto corria sem parar... e olhar para trás não era uma boa alternativa.
   A voz impaciente era amiga. Gentil. No entanto apática e sem qualquer indício de familiaridade física com a realidade. Era simplesmente indescritível. Seu som rondava a consciência de Bruno como a anestesia que o álcool causa em um viciado.
   Vício.
   Essa era a palavra que definia esses sonhos estranhos que tivera nas últimas semanas desde que... bom. Era melhor não ficar pensando nisso.
   A escuridão das sombras e árvores ao todo, tinham como única fonte de iluminação a luz branca de uma grandiosa lua cheia no alto. Bruno nem sequer quis prestar atenção no que vestia. Apenas queria alcançar seu objetivo: uma garota de vestido branco.
   Seu rosto mal podia ser visto à medida que o esforço do rapaz parecia valer à pena. A luminosidade exterior prejudicava alguns tropeços e bloqueios na respiração. Os óculos dele começaram a ficar embaçados por uma neblina inebriante.
   Droga! Agora uma porcaria dessas de fumaça branca para evitar o encontro com a misteriosa beldade. Mas isso não o impediria.
   Bruno tomou impulso e correu na maior velocidade que alcançara em comparação aos outros sonhos. Seu prêmio estava a distância pequena e somente alguns passos lhe dariam a grande chance de tocá-la pela primeira vez.
   A fumaça branca cobria o rosto dela e a luz da lua implorava seu vestido branco de seda. Era fisicamente impossível a lua iluminar apenas a parte de baixo de um corpo, e não o seu topo.
   Bruno soou um agito em falso, esticando o braço para encostar nela. Mas quando seu desejo estava a poucos segundos de se realizar, uma coisa quente e feroz o agarrou por trás. Restando seu desespero enquanto era arrastado e os gritos intensos da garota distante.
  
- Ah, fala sério. - Carlos, o melhor amigo de Bruno, ironizava com uma voz arrogante.
   - Então tem uma gostosa que não deixa você dar uns pegas nela? - Continuou.
   - Basicamente sim. Mas não nesse sentido, seu idiota. - Bruno ladrou.
   - Já tentou procurar um psicólogo?
   Bruno encarou o amigo de cabelos castanhos ferozmente. Sem deixar escapar uma palavra dos lábios.
   - Eu não sou louco! - Bruno disse entre dentes. Obter controle com Carlos não era tão difícil. Ele era despojado e concordava com tudo, então não havia problema algum em contar essas coisas para ele.
   - Calma aí, cara. Não precisa ficar desse jeito. Foi só um sonho. Quando você me disse que era um lance sério, eu pensei que era... Sei lá, tipo, uma COISA ENTRE A VIDA E A MORTE. - Cantarolou enquanto limpava algumas mesas da lanchonete.
   Bruno e Carlos ficaram em silêncio por alguns minutos. Eram quase nove horas da manhã e apenas uma senhora estava como cliente na lanchonete.
   Os dois amigos trabalhavam ali deste ano passado. Bruno já fizera 17 anos e Carlos era apenas um ano mais velho. Ambos se conheciam desde a terceira série e desde então nunca mais se separaram.
   Bruno sempre foi solitário e tímido, e sua vida seria um caos sem a presença do amigo maluco e desequilibrado. Mesmo estando praticamente sozinho em seu último ano na escola.
   O uniforme que usavam era amarelo com um avental vermelho. Mas somente Carlos e Lisa, a garota que às vezes ficava na cozinha, sentiam-se obrigados a usar o glorioso boné vermelho escuro.

   A tarde trabalhando na lanchonete foi mais lenta que o movimento comercial da manhã. Então Lisa, com seus belos olhos orientais e cabelos pretos, tomou liberdade para enfeitar as unhas. Carlos jogava conversa fora com uma menina na mesa 6, ao canto da parede em tons escuros de laranja.
   Além disso, somente um senhor e um casal de jovens em mesas distintas. Bruno terminava de reorganizar o balcão, fixando a mente no trabalho para não focar no casal jovem.
   Eram Higor e Tais. Foram da mesma sala na escola desde a segunda série. Higor nunca deixou de ser o arrogante metido à garanhão. E Tais... nunca deixou de ser seu amor de infância.
   Não valeria à pena. Ela enxergava Bruno como um amigo, e sempre o defendia das ofensas do namorado. Não tinha mesmo como competir. Namoravam desde a sétima série e, desde então, nunca mais se separaram.
    - Ei! - Gritou Higor, embora o silêncio fosse entediante. - Quero a conta.
   Tais encarou o namorado repreendendo-o. Afinal de contas, não era necessário gritar como se a lanchonete estivesse lotada.
   Bruno dirigiu-se ao casal e entregou a conta. E claro que o folgado do Higor iria reclamar do que teria de pagar. Mas Bruno apenas mantinha a cabeça baixa, sempre constrangido pela presença da amada.
   - Desculpe por isso, Bruno. - Disse Tais com uma voz sincera. 
   Ela usava um novo corte de cabelo: curtos ao pescoço e com pontas mais claras que o habitual castanho comprido. Seus olhos escuros pareciam brilhar de vergonha.
   - Tudo bem - Bruno sorriu timidamente. Ajeitando os óculos e os cabelos cacheados.
   Higor bufou e levantou às pressas. Suspirou duas ou três vezes e empurrou a carteira de couro para dentro do bolso.
   - Vamos, linda. Tenho coisas mais interessantes pra fazer. Se é que me entende, né? - Ele piscou e estalou a língua, incentivando uma falta de privacidade obscena.
   Tais deu um sorriso constrangido pelo canto dos lábios e tocou o ombro de Bruno.
   - Até mais.
   Foi o que ela disse. Saindo porta afora da lanchonete com o namorado louro e bombadinho.
   - Não liga pra isso, não.
   Lisa desta vez apoiou-se no balcão enquanto Bruno colocava o dinheiro na caixa registradora.
   - Um dia você vai esquecer dela e rir de tudo isso, eu acho. - Continuou ela, lixando as unhas e mascando chiclete. Lisa estava sem boné. Talvez muito mais à vontade do que se permitiria na ausência do dono da lanchonete. Tirando a franja lisa dos olhos uma vez ou outra.
   - Argh. - Bruno resmungou e conteve uma porcaria de lágrima nervosa à escapar dos olhos.
   Para ele era frustrante sentir vontade de chorar quando ficava nervoso.
   - Chorar faz bem, meu caro. - Às vezes o jeito insensível temporário de Lisa era melhor que seus conselhos amorosos. - Mas antes... atenda aquela garota ali, na mesa 3.
   O quê? Será que Bruno ficou distraído tempo o suficiente com Tais e Higor para não perceber nenhum cliente entrando na lanchonete?
   O melhor a se fazer era secar a gota derramada de seu olho esquerdo e ir atender a garota na mesa distante do balcão.
   Conforme Bruno se aproximava dela, mais sentia um estranho frio na barriga. Completamente inexplicável. Ela apenas estava sentada no banco de costas para ele.
   Seus cabelos eram medianos até a altura dos ombros e escuros. Lisos como seda.
   Foi caminhando até a garota que Bruno percebeu que mais um cliente havia entrado na lanchonete. Como estava de costas também,  mas no fundo do estabelecimento,  na mesa 1, nada sobre sua aparência podia ser notada. Apenas um boné vermelho.
Mais uns três ou quatro passos, e pronto. Bruno já ia abrindo a boca para dizer o habitual " boas-vindas ", mas foi interrompido pela garota que virou às pressas e se levantou. Atropelando-o.
   Ambos se debateram e uma garrafa de água da garota despejou todo o líquido restante na blusa dela. O xadrez de sua blusa azul ficara mais escuro.
   O estranho da mesa 1 não conseguiu conter um riso. Lisa e Carlos trocaram olhares confusos e então o mais inesperado aconteceu.
   A garota fixou seus incríveis olhos escuros em Bruno. Como se ela alcançasse sua alma. Sua expressão era séria e controlada. No entanto parecia lutar contra si mesma.
   Bruno congelou por reação. Seus lábios tremeram por sentir um medo profundo, mas não da menina, e sim de alguma coisa que estava por perto.
   Ela tinha mais ou menos a idade dele. Sorriu maliciosamente e o levantou pelo pescoço.  Erguendo-o à alguns centímetros do chão. 
   Ele sentiu o laço de seu avental tocar o chão. A mão que o apertava no pescoço era um pouco quente e sua dona tinha uma palidez fraca. E quando o som de sua voz saiu, foi como se tudo so redor do rapaz desaparecesse. Era a voz mais doce e descontrolada que ele ouvira na vida.
   - Acho que você mexeu com a pessoa errada.

Em breve...

Logo, logo traremos a envolvente e incrível história cujo tema e mitologia agregam o mais famoso e temível lobisomem.
   Tudo acontece quando um rapaz se vê envolvido com uma garota que promete guardar muitos segredos.  No entanto, a busca pelos mistérios que envolvem a família dela poderão causar-lhe arrependimentos que o marcarão pelo resto da vida.